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O Mestrado em História da Unifesp, cujas atividades iniciaram-se em 2010, definiu sua área de concentração como “História e Historiografia”. Esse intitulado era visto como capaz de congregar em uma reflexão comum a diversidade das pesquisas e das formas de atuação de nosso corpo docente em relação à História. Coletivamente, lidávamos com saberes em diálogo com a historiografia em um sentido amplo, como o espaço do patrimônio, da reflexão sobre a escola, da discussão sobre as formas culturais e o papel das instituições e seus conflitos sociais. Em função disso, quando associamos ambos os termos, partimos da ideia de que o trabalho sobre o tempo e sobre a memória dos grupos humanos realiza-se em múltiplos registros e formas, dos quais a disciplina histórica acadêmica é apenas uma dimensão, ainda que fundamental. É preciso, também, que desdobremos esse reconhecimento naquele que lhe é complementar: se a produção do conhecimento histórico e sua transmissão se fez na centralidade que a Universidade e os sistemas escolares vieram a adquirir a partir desse mesmo século XIX, tão apropriadamente apelidado como “século da história”, a partir da segunda metade do século XX os lugares dessa produção e transmissão têm se diversificado, descentralizado e ganhado uma enorme complexidade.

As duas Linhas de Pesquisa que integraram o programa entre 2010 e 2020, em consonância com as tendências historiográficas da década, aproximam-se pela ênfase nos fenômenos ligados ao poder e à política, mas se distinguem pelos enfoques específicos a partir dos quais abordam a matéria histórica. São elas: 1) Instituições, Vida Material e Conflito, e 2) Poder, Cultura e Saberes.

Em 2021, a partir das pesquisas desenvolvidas no Programa, e tendo em vista os encaminhamentos dos debates historiográficos no cenário nacional e internacional, identificaram-se diferentes campos que deram ensejo a uma reformulação da área de concentração e assim também das linhas de pesquisa, para aquelas atualmente em vigor (ver “O Programa” e “Linhas de pesquisa”).

 

Segue, abaixo, o descritivo das duas Linhas de pesquisa vigentes entre 2010 e 2020:

 

INSTITUIÇÕES, VIDA MATERIAL E CONFLITO

Esta linha de pesquisa transita pelo fecundo território historiográfico da História Social e Econômica e da Nova História Política, por onde fluem importantes trocas interdisciplinares provenientes da Antropologia, Sociologia, Ciência Política, Economia e das várias ciências sociais aplicadas. Os pesquisadores desta linha propõem-se ao estudo do papel fundamental das instituições na construção de poderes nas sociedades e à investigação sobre a forma pela qual elas moldam e são moldadas pela vida social. Espaços que condensam as dimensões materiais e simbólicas da sociabilidade humana, as instituições ajudam a impor e a administrar os ritmos do tempo, estabelecem rotas de peregrinação por onde transitam os imaginários coletivos, organizam e controlam os mundos do trabalho, constroem as relações entre governantes e governados e são por elas construídas, desenham os espaços urbanos e rurais, traçam o perfil dos territórios, regulam a vida das populações. Entre permanências e rupturas, caracterizam a vida política dos povos. Pensar as instituições historicamente implica sublinhar sua temporalidade e contingência, seu caráter de artefatos através dos quais os agentes humanos se organizam, estabelecem regulações e ordenamentos e produzem sobre essas ações registros de toda ordem. Entende-se o campo das instituições como um espaço travejado de tensões e conflitos, que são a expressão de um conjunto social e politicamente diversificado de resistências. Desse modo, a abordagem histórica das instituições deve abarcar também os movimentos de reação e transgressão dos vários atores históricos. Estão contidas nessa caracterização as instituições ligadas ao governo civil dos povos, as instituições religiosas, os movimentos sociais organizados, os partidos, as instituições educacionais e culturais de toda ordem, inclusive aquelas destinadas à conservação das memórias grupais e coletivas e à escrita da história. Enfocar a vida material, por sua vez, remete ao estudo das estratégias de sobrevivência construídas pelos sujeitos históricos e dos modos de organização por eles constituídos com esse fim. Estas estratégias tecem a sociedade ao gerar grupos e classes a partir de negociações em torno de interesses e valores criados, estabelecidos e recriados em contínua movimentação, também em relação dialética entre si e com as instituições. O mundo do trabalho e sua cultura, as migrações, a história das técnicas e das tecnologias são tratados em conexão dinâmica com a produção coletiva das formas organizativas dos sujeitos históricos e das instituições, fazendo com que as relações entre a vida material e esses processos de construção constituam um campo de estudos a ser cultivado pelos historiadores. Repensar as relações entre vida material e ordem política como problema historiográfico supõe considerar a convivência complexa de esferas que se interpenetram em configurações que apenas a pesquisa rigorosa pode desvendar, ultrapassando teleologias e determinismos que propunham relações lineares e simplificadoras entre elas. Assim, incorporam-se nesta linha de pesquisa os estudos sobre as formas de apropriação e ordenamento da propriedade, os modos de viver, de comer, de comerciar, de construir a vida cotidiana, a organização do trabalho e seu disciplinamento, o recrutamento militar e a extração fiscal. Incorporam-se também as pesquisas sobre as formas de resistência do trabalho, as revoltas e movimentos sociais, os motins e os modos de deserção e de sonegação. Sobre a matéria bruta das fontes clássicas desta linha inventários, censos, cadastros, enquetes sociais, estatísticas, memórias e relatórios, busca-se entender sua historicidade própria, que cabe aos pesquisadores desvendar.

 

PODER, CULTURA E SABERES

Esta linha de pesquisa pretende abrigar investigações que trabalham a dimensão política das práticas culturais e problematizam as configurações históricas que delas emergem em diferentes lugares e momentos. A fecunda aproximação que se desenvolveu, no campo dos estudos históricos, com a Antropologia e os estudos da Linguagem renovou o questionário dos historiadores que trabalhavam as relações entre cultura e sociedade, fazendo emergir também um redimensionamento da esfera política. A descentralização dos embates de dominação e resistência e o reconhecimento das múltiplas instâncias de poder presentes nas diferentes sociedades acrescentaram complexidade à compreensão das práticas políticas institucionalizadas, dando visibilidade a poderes ocultos, obscurecidos e difusos. Os pesquisadores desta linha propõem-se ao estudo de problemas e objetos de investigação novos e/ou sob nova abordagem, dentre os quais repontam as questões de gênero, memória, identidade, mentalidade, representações, tradições, artes. Esta linha de pesquisa abarca, portanto, o território do que se entende presentemente por História Cultural e por linhagens da Nova História Política, bem como seus territórios conexos, onde se constituem espaços compartilhados com a Filosofia, os estudos da Linguagem, da Literatura e das Artes e Comunicações, e a Antropologia. A construção do conhecimento é outra face das realizações humanas reconhecida como campo de disputas e conflitos. A relação entre saber e poder passou a ser apontada em ideologias, doutrinas, teorias, visões de mundo, fazendo com que saberes sejam relativizados em função de estratégias de poder construídas nos diferentes momentos históricos e nos diferentes campos de produção intelectual. As percepções do social são tomadas, assim, como produtoras de estratégias de poder e práticas nas disputas pela imposição de representações de grupos e sujeitos distintos, estabelecendo inclusões e exclusões, hierarquias entre os saberes, classificações e controles sobre sua circulação. Mas, também são problematizadas as práticas de apropriação que diferentes segmentos sociais fazem dos sistemas de crenças, de valores, de representações em situações determinadas, nem sempre por eles produzidas. Tais questões tomam como objeto central as relações que os sujeitos sociais mantêm com os objetos culturais ou com o pensamento e os valores de sua época. Do mesmo modo, a produção do campo da História é tomada como objeto de análise para se deslindar as diversas formas como esse campo apreendeu o mundo social e constituiu conceitos e métodos, organizando problemas de investigação, em lugares e momentos diferentes. Tomado também como campo de disputas, que articulam opções intelectuais e posição social, é possível problematizar os lugares de poder e as estratégias estabelecidas por diferentes grupos produtores de conhecimento e dos regimes de verdade referentes às suas práticas em situações específicas. A história da cultura permite refletir a respeito do papel das diversas expressões do fazer, do pensar e do sentir humanos no desenrolar dos processos sociais, políticos e econômicos, tomando como objeto as formas de apreensão do mundo social estabelecidas pelas múltiplas configurações intelectuais constituídas pelos diferentes grupos. Em concordância, os estudos dos fenômenos culturais não prescindem da consideração de seus respectivos suportes materiais. Essas expressões, como fonte e como objeto da pesquisa histórica, são contempladas numa amplitude de ângulos que permite abarcar sua existência e seu uso de diversos modos, da produção à circulação e desta à recepção, tornando possível análises sobre sua materialidade, seus conteúdos, ideais e representações.

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